Não importa se estás me ouvindo,
se entendes o que digo, se sentes
o que sentem os que dizem sentir,
se a vida te situou no escanteio,
no canto direito do universo,
onde tudo é azul bem claro, aurora
de reverso sutil entre noite e dia.
Não importa nada, eu te amo...
E meu amor te sustenta, aliás,
sustenta-nos eternamente, par alado
que desde a eterna chama, clama,
e se retorce de amor pelos confins
o nada, do eterno nada que vem
a nosso encontro cada dia...
Não importa se amanhã te olvidas
daquilo que foi o centro, o âmago
da vida, que circula tremula em teu ser,
da mesma vida que meu amor sustenta,
por madrugadas quentes, insones,
embaladas pelo rítmico farfalhar
de respiração sem tempo, de espaço
desacorde entre o dia e a noite de Brahma,
do espaço eterno entre o ser e o vir-a-ser,
onde se conjuga o amor que te dedico,
a ti e a mim, pares que somos, entrelaçados
como elétrons irmãos que tudo compartilham.
Não importa se me entendes, não importa;
para que o entender, que em nada aumenta
o mágico momento que vivemos, hoje e sempre,
eterno devenir, límpida chama, céu azul
que no horizonte inflama, pleno de sentir
o gosto cálido do amor devorador
de mágicos momentos, de tempo sem tempo,
interlúdio de paixão entre a vida e a morte,
criança desvalida, coração cigano,
eterna ventura de estar a teu lado,
de deixar-me estar, olhando e sonhando,
destilando poesias, fibrilando em versos
todo o amor ancestral que brota de meu peito,
que como flecha certeira parte a teu encontro,
ao nosso infindável e memorial encontro.
Não importa se me falas ou te calas, não importa,
nada tenho a ganhar com as palavras, o silencio
eloquente que teus lábios pronunciam dizem mais,
muito mais que mil palavras.
Para que gastar o tempo que nos queda
sublimando prosas, derramando energias,
se sabemos que ao perder-se a alma
no profundo amor, na mística poesia,
sairemos vitoriosos, exultando arroubos,
respondendo à vida, plenos de alegria.
Não importa que não leias o que escrevo.
Teus olhos não conseguem ver a letra,
mas sentem a palavra que a pena exala
quando célere e fugaz corre em pos de versos
que dizem o que sente o coração que ama;
os olhos por acaso não são o espelho d´alma?
esses olhos que um dia olharam a figura insana
de amante sem retorno, de amante eterno,
de amante que soube esperar que a vida
dependesse não mais de palavras, de fatos,
de olhares, nem sequer de versos como estes
povoados de fantasmas, mas tão somente,
de tímidos acenos do espírito que aninha
a celestial presença de uma vida dedicada.
Não importa, te repito, nada mais importa;
não importa que amanhã meu verso cale
e que o fluido vital que corre pelas veias
que antanho transportaram poesia, e que agora
não conduzam nada mais do que lembranças;
que este peito que um dia segurara em seu regaço
tua vida, sem que tu soubesses que cedia
parte da própria minha, em cada beijo e abraço
que, sem sabê-lo, recebias, sem saber, te digo,
que meu pródigo amor sustentava em versos,
nossas vidas balbuciantes, eternas despedidas
e retornos, e assim desde sempre e para sempre.
Não importa se reclamas da ausência presente
de meu ser em tua vida; se a labuta, ou seja,
estar pendente de teu tempo sem tempo cada dia,
de saber a cada instante o que sentes, o que tal vez
precisas, adivinhar teus gostos, carências, anseios
breves e a real necessidade que a alma busca,
sem saber encontrar o que procura, sem saber,
porque e longa a estrada e tortuoso o caminho,
povoada de ilusões, plena de desafios, que cega
o viandante não deixando que veja seu destino,
nem quem o acompanha e o cuida e o ama,
confundindo o espírito, dilacerando seu corpo,
trocando sentires, calando alegrias, e às vezes
aceitando o que o Cristo abdicara: todo o ouro
do mundo em troca do reino da própria alma.
Não importa se um dia olhares de lado
e eu não estiver contigo em corpo e alma;
meu espírito imortal, embora invisível aos olhos,
estará velando teu passo, guiando o caminho,
esperando encontrar-te de novo, em outra vida.
Mesmo assim, se não vires nem sentires,
não importa; a consciência que me imponho
alcança para os dois, e será o estímulo divino
suficiente para o próximo reencontro.
Não acreditas? ... Tampouco importa...